A saga da GTA: o documento que ainda divide opiniões entre criadores e autoridades ambientais

 

A saga da GTA: o documento que ainda divide opiniões entre criadores e autoridades ambientais

O embate entre leis estaduais, normas federais e o poder do MAPA

Nas últimas semanas, grupos de WhatsApp e redes sociais voltaram a discutir um tema que há anos provoca divergências entre criadores e autoridades: a Guia de Trânsito Animal (GTA).

Um áudio que circulou recentemente, supostamente afirmando que no Espírito Santo os criadores não precisariam mais emitir a GTA, causou grande repercussão — e, como se confirmou depois, tratava-se de uma fake news.

Mas afinal, é possível que um estado brasileiro realmente extinga a exigência da GTA?

A resposta exige compreender como funciona a hierarquia das normas e quem tem competência legal sobre o assunto.

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O exemplo do Rio de Janeiro e o limite das leis estaduais

O Estado do Rio de Janeiro, desde 2014, possui uma lei estadual que dispensaria o uso da GTA para o transporte de aves dentro do próprio estado.

No entanto, a norma estadual não tem força para revogar uma obrigação federal, já que a GTA é regida por instruções normativas do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA).

Na prática, isso significa que, mesmo que uma lei estadual declare o fim da exigência, o criador continua sujeito à fiscalização do IBAMA e demais órgãos federais, podendo ser autuado por transporte irregular.

E há jurisprudência sobre isso: o Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu o poder fiscalizatório do IBAMA dentro dos estados, mesmo em casos de competência compartilhada com órgãos estaduais.

Assim, a lei estadual do Rio de Janeiro, por si só, não garante isenção legal real — e pode gerar interpretações equivocadas.

 

Análise técnica e fundamentos constitucionais

Depois de muito estudo da Constituição Federal, em especial dos artigos 5º e seus incisos e parágrafos, em conjunto com o artigo 7º, bem como da interpretação harmônica com o Código Civil Brasileiro e jurisprudências recentes, será deixado a seguir um composto técnico sobre a GTA e todas as suas atribuições legais.

Esse estudo busca demonstrar que o tema não se resume a um simples documento administrativo, mas a uma ferramenta de responsabilidade sanitária e jurídica, cuja validade e obrigatoriedade decorrem da estrutura constitucional do poder público federal e do princípio da competência concorrente em matéria ambiental e de defesa sanitária animal.

 

O que é, afinal, a GTA e por que ela é obrigatória

A Guia de Trânsito Animal (GTA) é um documento federal obrigatório para o transporte de animais vivos, incluindo aves, em todo o território nacional — seja o transporte dentro do mesmo estado (intraestadual) ou entre estados (interestadual).

Sua emissão está amparada em normas do MAPA, especialmente:

  • Instrução Normativa nº 18, de 18 de julho de 2006 — aprova os modelos de GTA para diferentes espécies;
  • Instrução Normativa nº 23, de 11 de setembro de 2014 — define a obrigatoriedade do documento e os dados que devem constar para garantir rastreabilidade, sanidade e controle de doenças.

Embora sejam atos infralegais, o STF reconhece sua validade quando emitidas dentro da competência técnica do órgão, garantindo sua força normativa e aplicabilidade nacional.

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O que diz a jurisprudência: IBAMA pode fiscalizar e autuar dentro dos estados

Há jurisprudência consolidada que reafirma que o IBAMA possui competência para fiscalizar atividades que envolvam risco ambiental, mesmo quando o licenciamento é feito por órgão estadual ou municipal.

Ou seja, a competência para fiscalizar não se confunde com a competência para licenciar.

Um acórdão do Superior Tribunal de Justiça (AREsp nº 1.624.736) se refere a uma tese firmada pelo STF sobre “autuação supletiva” ambiental, afirmando que:

“A prevalência do auto de infração lavrado pelo órgão originalmente competente para o licenciamento ou autorização ambiental não exclui a atuação supletiva de outro ente federal, quando comprovada omissão.”

Essa interpretação garante que o IBAMA possa atuar em qualquer estado da federação, inclusive lavrando autos de infração e termos de embargo, sempre que identificar riscos ambientais ou irregularidades — mesmo em áreas onde o controle primário é estadual.

 

O cenário político e o papel dos deputados federais

Como o tema envolve legislação federal, somente o Congresso Nacional — por meio de deputados federais e senadores — pode propor mudanças reais na estrutura legal da GTA.

Esses parlamentares são os responsáveis por solicitar alterações ao MAPA, seja por decreto presidencial ou nova instrução normativa.

Enquanto isso não ocorre, as regras continuam sendo federais e de cumprimento obrigatório em todos os estados.

 

A gripe aviária e a lembrança do poder central

O surto de gripe aviária nos últimos anos serviu de alerta.

Em poucos dias, o MAPA emitiu novas diretrizes aos estados para controle, transporte e vigilância sanitária, mostrando que a autoridade final é federal e que os estados apenas cumprem as determinações.

A lição é clara: qualquer mudança sobre a GTA só terá validade real quando vier do MAPA.

 

Conclusão: a saga continua

A discussão sobre o fim da GTA em eventos internos é legítima e reflete o desejo dos criadores por menos burocracia e mais autonomia estadual.

Mas, até o momento, nenhuma decisão ou lei estadual tem força para dispensar o documento.

A Guia de Trânsito Animal continua obrigatória, e qualquer transporte sem ela pode resultar em autuação federal — mesmo dentro do próprio estado.

Rezamos que tudo ocorra logo para uma incumbência correta, pois sabemos que, com toda a experiência acumulada, a GTA é mais que uma burocracia: é também um ato de respeito e responsabilidade ao médico veterinário, que assume diante dos criadores o compromisso técnico e ético de garantir a saúde, segurança e legalidade do transporte animal.

A saga da GTA, portanto, ainda não chegou ao fim.

Mas enquanto não houver uma mudança oficial do MAPA ou do Congresso Nacional, a lei é uma só — e vale para todo o Brasil.

 

Texto: Nelson Arrué

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